08/12/2010


"É tocante pensar que a essa hora uma mulher saiu de casa e sua primeira traição vai consumar.
É assustador pensar que a essa hora o terrorista armou a bomba no carro ou no seu corpo e olha as pessoas que passam esperando o momento de a vida alheia detonar.
É pacífico pensar que as ondas se arremetem em ritmo na praia mesmo não tendo ninguém a contemplar.
É repousante pensar que em Tanger mulheres e homens vestidos de mantos e jelabá se põem diante do horizonte olhando algo entre o passado e o futuro como se a vida fosse um exercício de comtemplar.
É estressante pensar que a essa hora em torno de uma mesa homens de negócios ou políticos tratam de cifras, de projetos, de estratégias, rabiscam papéis e não se dão conta daquela gaivota e seu gracioso balé no ar.
É perturbador pensar que um simples telefonema agora pode tudo transformar: a bolsa, o bolso, nosso modo de vestir, de andar, quem vai partir, quem vai ficar.
É patético pensar que alguém chegará em casa nesta noite e abruptamente vai o fim de um casamento anunciar.
É constrangedor pensar que a milionária acaba de entrar numa loja em Milão gasta 20 mil doláres com coisas que não vai sequer usar.
É terrível pensar que acaba de dar partida o caminhão que às horas tantas se chocará com o carro da família que tranquila viaja para as férias começar.
Algo já está em movimento e não há jeito de estancar.
A isto uns chamam de sorte ou azar.
A isto os Gregos chamavam de tragédia: aquilo que foi posto em movimento com a ajuda dos deuses e deus algum pode alterar."

(Affonso Romano de Sant"Anna/Jornal Estado de Minas/13/02/2005)
(Fotografia By LilianMello: Faculdade Santa Marcelina/ 2010)